Principais rios da bacia do Amazonas têm menor nível da história em 2024 3f665d

Info Amazonia - https://terrasindigenas-br.noticiascatarinenses.com - 14/11/2024
Análise exclusiva da InfoAmazonia mostra que rios Amazonas, Madeira, Solimões, Negro, Purus, além do afluente Paraná do Careiro, registraram a pior seca em 122 anos, desde o início do monitoramento do Serviço Geológico do Brasil (SGB).

Os rios Amazonas, Purus, Madeira, Solimões, Negro, que estão entre os principais da bacia do Amazonas, e também o afluente Paraná do Careiro, enfrentaram uma seca sem precedentes em 2024. Onze das 16 estações de monitoramento da altura dos rios da bacia (68% do total) registraram, até 29 de outubro, os níveis mais baixos dos últimos 122 anos, desde o início do monitoramento do Serviço Geológico do BrasilEmpresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia, que presta serviços nas áreas de geologia ambiental, hidrogeologia e riscos geológicos. (SGB), segundo análise exclusiva da InfoAmazonia.

O monitoramento do SGB na bacia do Amazonas abrange, além desses seis rios, outros dois: o Acre e o BrancoA reportagem usou o boletim da Bacia do Rio Amazonas, do SGB, que traz os oito rios mencionados. Além destes, os rios Japurá, Xingu e Tapajós também se destacam dentro da bacia, por suas extensões.. Juntos, eles são responsáveis por abastecer populações urbanas, ribeirinhas e indígenas nos estados de Roraima, Acre e Amazonas. "Estamos falando de uma região que depende unicamente dos rios para abastecimento e locomoção. Não temos estradas, temos os rios", explica Jussara Cury, pesquisadora responsável pelos boletins do SGB da bacia do Amazonas.

A bacia se estende além dos limites do Brasil, abrangendo também a Colômbia, o Peru, o Equador e a Bolívia, sendo a maior bacia hidrográfica de água doce do planeta, com 1.700 rios e os dois maiores arquipélagos fluviais do mundo: Mariuá e Anavilhanas. Além disso, o rio Amazonas, que integra a bacia, é o maior rio do mundo.

O rio Solimões tem quatro pontos de medição do nível da água localizados nos municípios de Tabatinga, Manacapuru, Itapeua e Fonte Boa. Cada um deles possui uma régua com gradações em centímetros com a marca zero, que representa o nível em que o rio estava no momento em que a régua foi instalada. A data da instalação varia e, no caso desses rios, ocorreu há cerca de 30 anos.

Todas as quatro estações do rio Solimões registraram o menor nível da história, conhecido como evento mínimo. Em Fonte Boa, a seca mais grave havia ocorrido em 2010, quando o rio atingiu 802 centímetros (cm) em 22 de outubro. Em 2024, o nível chegou a 717 cm em 12 de outubro.

Na estação de Tabatinga, a cota (termo técnico para o nível do rio em altura) mínima histórica era de -86 cm (oitenta e seis centímetros abaixo da marca zero da régua), registrada em outubro de 2010. Em 2024, o evento mínimo atingiu -234 cm, também em outubro.

O povo Kokama vive agora às margens de um rio Solimões seco. São mais de 100 pessoas que moram à beira de um extenso banco de areia, numa praia formada após a seca, na Terra Indígena (TI) Assunção, próxima ao município de Alvarães, no Amazonas, a cerca de 531 km da capital Manaus.

A TI ainda não é demarcada pelo governo federal e falta infraestrutura para amenizar os danos de eventos extremos. Por isso, os moradores da comunidade racionam água desde agosto. Parte deles usa a água do poço, enquanto a outra espera pelo dia seguinte para sua vez. A conselheira de saúde da TI, Maria Auxiliadora Kokama, conta que a situação se agravou na seca do ano ado e, neste ano, se repetiu. Quando conversou com a reportagem, em setembro, ela estava sem água na torneira, aguardando o dia seguinte para ter o.

"Eu nunca imaginei que esse rio ficaria assim, mas o meu velho pai dizia que um dia o Amazonas se tornaria o Ceará. Isso aqui, esse mundão de rio, ele disse que um dia ia virar seca. Eu me lembro dessas palavras dele e hoje eu tô vendo", diz a conselheira de saúde.

Eu nunca imaginei que esse rio ficaria assim, mas o meu velho pai dizia que um dia o Amazonas se tornaria o Ceará. Isso aqui, esse mundão de rio, ele disse que um dia ia virar seca. Eu me lembro dessas palavras dele e hoje eu tô vendo.

Maria Auxiliadora Kokama
As faixas de areia aumentam a distância até os municípios mais próximos e provocam o surgimento de redemoinhos e tempestades de poeira. Os ventos sopram com tanta força que movimentam a areia, fazendo-a flutuar no ar e formar uma nuvem de poeira.

"A senhora nem imagina como isso aqui fica branco, branco, branco de areia. Dentro da nossa casa fica um monte de areia. É muito triste. Às vezes, dá vontade de a gente abandonar e ir embora", conta. "Tem criança que tem arritmia, que tem asma, [é] pior quando eles gripam. A areia atrapalha muito", complementa.

Por causa dessas tempestades de areia, da falta de água e do excesso de calor, o professor Gleison Martins, que ministra aulas de língua kokama e saberes ancestrais na comunidade, precisou reduzir a carga horária escolar. "O calor é quase inável. Por causa da secura, os alunos ficam agoniados. Por mais que você tenha o ventilador, por mais que você esteja com sua água gelada o tempo todo, o calor deixa a gente fadigado".

Martins tenta explicar às crianças que a seca é um dos eventos climáticos extremos e usa a situação como exemplo para falar sobre a importância da preservação da floresta. "Todo dia, nós vemos que o nosso Solimões está se tornando um deserto. Aqui, na frente, estava a nossa água para tomar nosso banho. Hoje nós estamos vendo uma pintura seca. Nossas crianças estão sentindo tudo isso", conta.

A pesquisadora Jussara Cury afirma que a estação de Tabatinga é a referência para a bacia, localizada no oeste, onde o Solimões entra no país. "Tabatinga está na região mais a montante O montante de um rio refere-se à parte do rio que está situada à jusante do ponto de observação ou de medição, ou seja, a direção para onde a água flui. Em termos mais simples, é a área do rio em direção à sua nascente., é por lá que eu vou saber quando a estiagem vai acabar. Se o rio está subindo, se está mais consistente, se mudou o regime, é por lá que monitoramos', explica.

De acordo com o último boletim divulgado pelo SGB, em 6 de novembro, a estação de Tabatinga está apresentando elevações diárias consideráveis, subindo 2,84 m naquela semana. Caso ocorra estabilidade nas elevações nos próximos dias, ainda deve levar semanas para que o restante da bacia atinja estabilidade. Em outros rios, como o Negro, na estação de Manaus, o nível continua a descer.

Rios secaram mais cedo
No rio Negro, há quatro estações de monitoramento do SGB: Tapuruquara, São Gabriel da Cachoeira, Manaus e Barcelos, sendo que as duas últimas atingiram os menores níveis históricos este ano. Em Manaus, o rio chegou a 12,17 metros (m) em 8 de outubro. Dois dias depois, em 10 de outubro, atingiu outra marca histórica: 12,11 metros. A pior cota anterior era de 12,70 m, registrada em 26 de outubro do ano ado. Em Barcelos, o recorde de 2024 foi de 6 cm em 28 de fevereiro, enquanto a mínima anterior registrada era de 58 cm, atingida em 18 de março de 1980.

Ou seja, em ambas as estações, o recorde ocorreu antes do que geralmente é previsto. A InfoAmazonia também verificou o padrão das datas em que os rios atingiram os níveis mais graves e verificou que isso também se repete nos outros rios: das 11 estações que registraram recordes neste ano, 10 tiveram eventos mínimos entre o final de setembro e o começo de outubro. A análise histórica mostra que o esperado era que isso ocorresse no final de outubro.

Desde que os efeitos do El Niño, fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico, começaram a ser sentidos em julho de 2023, a chuva diminuiu na Amazônia. Essa seca antecipada também está atrelada ao aquecimento das águas do Oceano Atlântico, que provoca a evaporação do ar, que chega à Amazônia e inibe a formação das nuvens carregadas. Com os dois fenômenos ocorrendo ao mesmo tempo, a região viu os rios apresentarem um cenário fora da normalidade.

Segundo os dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), publicados no início de novembro, 59% dos municípios do estado do Amazonas (37 dos 62 existentes) estão ando por níveis de seca severa e extrema. Em oito localidades, o evento ocorre há mais de um ano: Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro, Codajás, Maraã, Guajará, Fonte Boa, Uarini e Ipixuna.

As comunidades ficam mais isoladas
A cidade de Uarini, distante 595 km da capital Manaus, enfrenta condições de seca há 15 meses. A região é banhada pelo Solimões e seus afluentes. Lá, a jovem Bianca* Silva (*nome fictício, substituído a pedido da entrevistada), de 20 anos, precisou dar à luz à filha sem uma equipe médica completa, porque não teve tempo de chegar ao hospital. A cidade de Bianca conta com uma unidade de saúde limitada e, quando necessário, os pacientes são encaminhados para Tefé, município que com a seca fica a 4 horas de distância. Em época de normalidade do rio, esse tempo se reduz para 3 horas.

No final da gravidez, ela já estava sendo orientada a ter um parto cesariano, realizado por meio de uma cirurgia com corte na parte inferior do abdômen. Quando começou a sentir as dores, em 12 de setembro, foi levada ao hospital de Uarini, onde duas enfermeiras e uma parteira estavam presentes. Para ela, o ideal seria fazer a cirurgia, mas não foi possível, já que a equipe médica necessária para a cesárea inclui também um obstetra e um anestesiologista.

A alternativa de viajar até Tefé para realizar o procedimento também estava indisponível. Com rios estreitos, rodeados por praias e com o surgimento de galhos e rochas no caminho, a viagem implicava o risco de naufrágio, tempestades de areia e acidentes com outras embarcações. "Eu não tinha agem [dilatação] para ter o parto normal, mas acabaram me fazendo ter o parto normal mesmo. Minha filha já estava muito embaixo. Ela nasceu com uma manchinha vermelha no olho porque eu a 'apertei' muito durante a agem", conta a jovem.

Agora, Bianca e sua filha enfrentam o calor intenso da cidade. Na casa de palafita onde moram, os ventiladores são a única opção. Bianca tenta amenizar o calor colocando a filha nos locais mais frescos, mas o calor já começa a afetar a saúde dela. "Ela fica muito agoniada, com o rostinho vermelho. Deixo ela só de fralda, coloco no colchãozinho lá fora, mas está muito quente".

Outro que precisou enfrentar a seca do rio Solimões para ter o ao hospital foi Mesaque Brandão, 16 anos. Jovem da Comunidade Vila Soares, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Amanã, no município de Uarini, ele quebrou o pé jogando bola em 19 de setembro. Sem uma rabetaMotor usado em pequenas embarcações em casa, precisava pedir emprestado uma embarcação e navegar cerca de 30 minutos até a cidade.

A situação era difícil, porque o acidente ocorreu no final da tarde e navegar à noite é muito perigoso. Além dos impactos da seca, a região é conhecida pela presença dos piratas, homens que roubam dinheiro, objetos e embarcações nos rios. Brandão só conseguiu sair de caso no outro dia, pela manhã.

"Eu estava chorando de dor e lá não tem posto de saúde. O jeito foi a gente vir para cá. A minha mãe veio me trazendo devagarzinho, vim segurando no ombro dela. Chegando no porto eu peguei uma moto, não estava mais aguentando, foi difícil", conta.


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